quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A IRRESPONSABILIDADE SOCIAL TELEVISIVA

Com o advento do fenómeno da Globalização, os empreendedores, empresários e decisores públicos e privados incorporaram na abordagem da cadeia produtiva um novo elemento de crucialdade incomensurável. Passaram a dedicar a sua atenção não só para os principais intervenientes do processo produtivo como também para os próprios consumidores e destinatários do seu produto final. Apesar de esta constituir uma preocupação clássica e secular constando da lista dos principais factores que causam a insónia aos empresários e decisores da arena comercial e industrial pública e privada desde os primórdios das trocas comerciais, refira-se que a notoriedade desta preocupação pôde tornar-se indiscutível "recentemente" na era do capitalismo moderno. As organizações e empresas alicerçadas em princípios éticos bem assentes assumiram com escrúpulo e verticalidade o desafio de conduzirem as suas acções de forma cooperativa e co-responsável contribuindo proactivamente para o desenvolvimento social do seu mercado. O que significou a necessidade de englobar e considerar cada vez mais as preocupações e sensibilidades de todos os actores directos e indirectos do processo produtivo. Este desejo traduziu-se ainda numa maior aproximação e entrelaçamento entre as organizações e o seu ambiente externo. As organizações entraram para um mercado concorrencial com a aspiração aguerrida e pujante de providenciar e ocasionar as condições necessárias para que o seu público alvo usufrua dos benefícios e externalidades positivas decorrentes do exercício das suas actividades. Para ilustrar melhor este cenário, tomemos como exemplo paradigmático a abordagem que as empresas transnacionais colossais fazem relativamente às questões ambientais autoconscientes do grau de perniciosidade que o seu exercício produtivo acarreta para as comunidades residentes nas áreas circunvizinhas das suas fábricas e aqui podemos citar como exemplo disto o caso da MOZAL. Um outro caso que pode ser tomado como protótipo da cultura da responsabilidade social é o do Grupo MBS que para além de ter reabilitado as suas instalações onde funciona actualmente a Kayum Centre arcou com algumas obras de beneficiações do edíficio, melhorou cabalmente o seu sistema de drenagem de água, restaurou o parque de automóveis e o pequeno jardim defronte deste. Todas estas investidas não foram feitas impavidamente sabiam os seus mentores que os seus primeiros potenciais clientes seriam os moradores do prédio e os das suas imediações, ademais, foram mais longe ao criar um jardim para atrair mais clientela. Neste contexto, qualquer organização passou de forma engenhosa e expedita a não descurar os príncipios e valores que tipificam o modus vivendis do seu público alvo. As organizações produzem, fabricam e vendem conscientes de que a sua prosperidade no mercado é condicionada pela sua capacidade de aliciarem os seus destinatários participando directamente no processo de desenvolvimento social, cultural e económico destes. Enfim, até aqui todas as vestimentas andam bem engomadinhas. É deveras lastimável ter de começar a amarfanha-las, mas, devo de facto. Creiam todos que a intenção da cultura da responsabilidade social apregoada pelos principais estudiosos, decisores e precursores das organizações é inequivocamente boa e sensata, não imaginam quão seria positivo que todas as organizações assumissem o seu papel nesta frente. Mas, quero alerta-vos da ocorrência de mostras flagrantes de uma atitude contrária a esta, ou seja, da cultura da irresponsabilidade social. Por trivial que pareça esta é de uma gravidade de magnitude exponencial. Ela observa-se em muitas das áreas do nosso quotidiano social. Porém, intriga-me a infeliz coincidência de uma das áreas em que se observa ser a da comunicação social concretamente da nossa imprensa televisiva e que para o nosso definitivo infortúnio afecta a todos os canais nacionais. A área da comunicação social televisiva é extremamente sensível e chave na formação da opinião pública. A televisão participa activamente do processo da formação civica e cultural do individuo; Ela condiciona significativamente o processo educacional e a mentalidade dos seus receptores. Quantos não são os hábitos que preterimos porque são negativamente sancionados e reprovados nas telenovelas? Quantas não são as novas maneiras de estar, ser e agir que adoptamos porque são aprovadas e positivamente aceites nas telenovelas? Será que os nossos profissionais e decisores da área da televisão já fizeram o exercício introspectivo de avaliarem o impacto do trabalho que prestam?
Para melhor aferirem e reflectirem sobre estas inquietações, sugiro-vos o protótipo de uma situação aberrante e inadmissível em televisão. Já digo, há dias assistia a um programa televisivo musical que está a fazer um trabalho excepcional na promoção da música moçambicana e de novos talentos o que é de todo desejável. Todavia, pareceu-me que o próprio apresentador não tivesse o dominio do perfil do seu programa sem preterir as questões de índole técnica da apresentação que deviam ser do seu conhecimento, demonstrou não ter consciência de que o seu não é infantil, mas, essencialmente juvenil desmintam me se poderem. Nesse dia, o apresentador juntou algumas crianças para fazer o seu pão do dia e ficamos a perceber que as Bling, Marlene, Danny OG, Lizha, Zico, etc já tem sucessores a espera e em riste.
O aspecto central desta constatação reside no facto de que a partir dela deu para perceber qual é o tipo de valores e princípios que a nossa criançada vai apreendendo e interiorizando e em função disso também pudemos fazer um prognóstico leviano do seu futuro. Não advogo a sua interdição à assistência ou aparição destes e nestes programas, mas, há que se dosear melhor o contacto entre estes programas e a criançada para que não patrocinemos a degenerescência dos nossos petizes. Sei que poderei ser um réu confesso pelo meu tique aparentemente conservador e retrógrada, mas, julguem se quiserem.
Para corroborar as minhas comichões na consciência, apoquentam-me também o facto de observar em pleno dia a serem passadas imagens que de alguma forma são aberrantes e violentas para o desenvolvimento psico-social da criançada. Aliás, já nem é preciso ver as imagens, basta a criança ser uma boa ouvinte para por em prática todas as mensagens transmitidas na maior inocência. Durante as noites a coisa é mais sintomática, embora seja verdade que teremos de apurar e partilhar as responsabilidades entre pais, professores, educadores, etc, não é suficiente para ilibar a irrensponsabilidade e falta de ética de alguns profissionais de televisão.
A televisão abre as mentes das crianças pode proporcionar-lhes em função do tipo de matérias e conteúdos que transmite a predisposição e apetência para se decidirem e encantarem pela formação em medicina, professorado, magistratura, economia, política, policia, música, dança, actriz, prostituição, etc. Reparem que as suas escolhas têm como sustentáculo o tipo de valores por estas incorporados através da televisão. Não quer isto significar que a televisão é um vector suficiente e necessário para educar e formar a criança, mas, que a sua contribuição neste processo é substâncial como que a legitimar o papel da televisão enquanto um agente de socialização do individuo complementar.
Há um exercício que a comunicação social culta e prudente tem feito no alinhamento e definição dos perfis dos programas, por que não resgata-lo? Sei perfeitamente que estão recordados da informação prévia que era dada pelos respectivos apresentadores em caso de pretenderem emitir uma mensagem escandalosa e violenta para não embaraçarem o convívio familiar ou ferirem sensibilidades. Ou ainda, retomar o feitio de sempre que se pretender veicular uma mensagem ou programa orientado exclusivamente para uma determinada faixa etária assinalar na tela o sinal de proibição da assistência para as restantes faixas etárias.
Ao assim proceder a media televisiva com particular incidência para os pelouros da programação e apresentação de entretenimento se dotará de mais acuidade e profissionalismo e, sobretudo, melhorará a sua capacidade de censura de informação e desta maneira poderá rejuvenescernos do tédio que causou a milhares e milhares de cidadãos que de tanto desespero se pautaram exclusivamente pela imprensa escrita.
O pessimismo destes escritos não augura de maneira nenhuma enxovalhar a classe da comunicação social televisiva, pelo contrário, procura ater-se a uma das suas facetas para construtivamente aborda-la tendo em vista a que os profissionais desta área melhorem cada vez mais a sua prestatividade imbuídos da convicção de que a media exerce de facto um papel primoroso e prestimoso na educação civica e cultural do individuo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Podemos estudar a vida humana (social) de forma científica?

Esta questão remete-nos a priori para as circunstâncias soció-históricas que marcaram a génese e emergência das ciências sociais; As ciências sociais emergiram num período em que do ponto de vista da produção de saberes a primazia era dada às ditas ciências naturais e exactas que já se tinham afirmado e alcançado a sua autonomia científica, graças aos seus alicerces assentes no procedimento lógico-formal baseado na ciência fisico-matemática, onde a observação e experimentação eram os principais métodos que sustentavam o positivismo exacerbado destas ciências. Ora a colocação da pergunta desta forma leva-nos a partida a reflectirmos sobre os vários condicionalismos e factores a que os fenómenos sociais estão sujeitos designadamente: 1. O facto de não verificarem uma regularidade aprensentando-se como únicos; 2. Deterem uma cumplicidade intrínseca com os próprios actores sociais; 3. Obedecerem a interesses e motivações dos mesmos e portanto, serem valorativos; 4. E ainda pelo facto de os comportamentos e atitudes humanas mudarem de acordo com as situações sociais. Todos estes constrangimentos nos quais estão imersos os fenómenos sociais e suas implicações lógicas para as ciências sociais impelem-nos a questionar sobre quais de facto as possibilidades de estuda-los cientificamente.
Retorquindo a questão com todos os riscos que daí podem advir, assumimos peremptoriamente a tese de este desiderato ser alcancável partindo da premissa de que aspirar a produção da ciência é pretender sistematizar conhecimentos através de um conjunto de proposições lógicas e correlacionadas sobre os comportamentos de certos fenómenos, neste caso, sociais, definindo previamente um objecto de estudo próprio, específico e delimitado com recurso aos métodos científicos que permitam quer quantificar quer qualificar interpretando a realidade social em estudo. O que implica ao cientista social dada a sua cumplicidade e proximidade à realidade social e ao carácter subjectivo dos fenómenos sociais um maior escrúpulo, criteriosidade e esforço permanente ao exercício de procurar expurgar e distinguir entre as suas motivações e valores pessoais como parte integrante da realidade social e a questão objectiva que o preocupa na investigação. Neste prisma, o pesquisador deve respeitar com afinco e fidelidade os princípios e procedimentos científicos, um exercício que não é de forma alguma fácil mas, que se afigura como a única via eficaz pela qual se pode aspirar a objectividade ou a resultados aproximadamente objectivos. Não quer isto significar que os valores estejam absolutamente imunes do acto da constituição do pensamento e portanto, não sejam primordiais na investigação a ser desenvolvida pelo cientista social, pelo contrário, estes é que conferem a eficácia teórico-metodológica da contextualização e abordagem do objecto de estudo. O que se requere do investigador é a mestria de poder produzir um conhecimento neutral respeitando e aplicando de forma lógica, coerente, desapaixonada e rigorosa os instrumentos e as técnicas de investigação científica. Ao analisar um dado fenómeno social, o pesquisador deve ser capaz de fazer a sua investigação sem descurar a forma como se entrelaçam e costuram as relações sociais nele imbricadas, ter presente as significações e representações sociais dos fenómenos em causa. Em suma, o cientista logrará produzir um conhecimento credível e plausível sobre a vida humana e social lidando com competência e eficácia teórico-metodológica com o condicionamento axiológico do objecto de estudo cujo cerne assenta em poder correlacionar os métodos científicos e o contexto sociocultural em análise.