quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

PERIPÉCIAS DA PROMULGAÇÃO DE UMA LEI

O executivo moçambicano acabou de dar um passo notável na sua acção governativa contribuindo substancialmente para a nossa autodeterminação enquanto Estado de Direito. É que o Conselho de Ministros promulgou a vigência a partir do último 1 de Dezembro da lei que interdita o consumo de tabaco e seus derivados em locais públicos. Contudo, este acto parece suscitar algumas polémicas no seio da esfera pública, há correntes prós e contra a sua aplicação. Na verdade a leitura da aprovação e implementação desta legislação está em grande medida condicionada pela natureza de cada grupo de interesse, como advoga o adágio popular " Cada um puxa a sardinha para a sua brasa". Ainda assim, os interesses particulares não se sobrepõem aos nacionais, estes são soberanos, supremos e inalienáveis.
Temos, por um lado, o público em geral comportando a dita Sociedade Civil-Cidadãos, mas acima de tudo, a fatia mais grossa da densidade populacional, a estes há em comum o interesse de terem os seus legítimos direitos à saúde e ambiente sãos preservados cuja vontade geral mais saliente é a de minorarem os efeitos do tabagismo passivo a que estão sujeitos os não fumadores sempre que se encontram em locais públicos;
De outro, se encontra a classe de gente que faz a vida e o ganha pão do dia-a-dia com a venda de cigarros e seus derivados, para estes a temática primordial é verem assegurado o seu principal mecanismo de geração de rendimento, insurgem-se pelo facto desta legislação repelir os seus potenciais clientes e etc.
Enfim, colocando a problematização desta questão nestes termos percebe-se que não faltam argumentos sustentáveis a qualquer uma das correntes. Quanto a mim, patrocinar esta discussão não é um exercício útil nem oportuno. É preciso e sim, que averiguemos as razões que estão na origem desta dicotomia de posicionamentos e aí poderemos evitar que no futuro entremos num imbróglio idêntico. Fazendo essa caminhada sinto uma vez mais que o legislador, o executivo, a comunicação social e etc, pecaram por não massificar o debate público sobre esta legislação. Aliás, esta conduta dos principais protagonistas e precursores do processo decisório da coisa pública já assume contornos de uma patologia moral e ética, sempre que se passa a vigência de um código normativo e legal nota-se que o grupo alvo manifesta um clarividente défice de informação. Os cidadãos e população em geral não é preparada fisica, psicológica e socialmente sobre as decisões tomadas. Isto é deveras bastante sintomático, nefasto e não deve continuar assim. Teria sido, mais viável aos implicados directos e indirectos desta lei se fosse do seu conhecimento prévio e profundo. O proprietário de um restaurante saberia como configurar e racionalizar o seu espaço no sentido de poder em simultâneo receber e servir clientes fumadores e não fumadores sem incorrer a perda quer destes quer daqueles clientes. É como depreendem uma prática ética, civíca e culta muito simples e menos onerosa, informar, auscultar e discutir com as pessoas. Assim se vive num genuíno Estado de Direito! Por agora, rearrumem a casa e no futuro haja sabedoria e indulgência da vossa parte para que estas peripécias não se observem.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

PSEUDO-CIDADANIA? OU CIDADANIA PASSIVA E ALIENADA?

Etimologicamente o conceito de Cidadania é intrínseco e emana da noção de cidadão derivada da palavra civita, que em latim significa cidade, e que tem seu correlato grego na palavra politikos - aquele que habita na cidade. A palavra cidadania foi usada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer; no sentido ateniense do termo, cidadania é o direito da pessoa em participar das decisões nos destinos da Cidade através da Ekklesia (reunião dos chamados de dentro para fora) na Ágora (praça pública, onde se deliberava sobre assuntos de acordo comum).
Hoje e indubitavelmente o sentido de cidadania quer local quer global como quiserem assume uma preponderância nevrálgica no processo da consolidação e cristalização dos valores da democracia. O exercício da cidadania é de forma inequívoca um passo sine qua non para a manutenção e apetrachamento da ordem social, cultural, politíco e económica em que assenta a democratização das sociedades.
Os condimentos mais salientes da identidade do cidadão traduzem-se na auto-consciência das suas obrigações e direitos; Na sua capacidade de participar politicamente no processo decisório da gestão da coisa pública e na esfera pública; Na liberdade de poder exprimir-se, associar-se, formular exigências e critícas sobre a actividade governativa e de gestão da coisa pública.
Ora esta maneira de explanar o conceito de cidadania parece eximir e exonerar o cidadão das suas intransmissíveis e legítimas responsabilidades revestindo-o de um papel passivo e inactivo. Todavia, no actual contexto sociocultural e politico-económico exige-se do cidadão que não delegue as suas responsabilidades, não deixe parte de si para outrém. Este deve construir-se material e simbolicamente contando consigo próprio e para si próprio. O que equivale a advogar categoricamente a tese de que nos dias que correm é impensável o exercício da cidadania sem que seja de forma proactiva e participativa.
A cidadania é uma benesse inalienável da génese das cidades que garante a emancipação sócio-política do cidadão, pois de outra maneira o habitante das cidades estaria fatalmente condenado à passividade na decisão e definição sobre as modalidades e critérios de gestão da coisa pública. Com a cultura da cidadania o cidadão exerce plenamente as suas liberdades tornando-se esta num dos mecanismos mais eficazes e inclusivos de distribuição do poder e dos valores da democrácia.
Paradoxalmente a esta precedente visão, a minha advertência é feita para o facto de que ao meu ver o exercício da cidadania no formato ideal aludido estar a conhecer uma aplicação fortuita e precária no contexto do processo da democratização da nossa "nação".
Ainda que as principais cidades do País sejam esmagadoramente habitadas por gente com um nível de instrução, formação e com um "capital cultural" e de urbanidade bastante aceitável sente-se contra todas as nossas expectativas que o seu exercicio de cidadania é muito ténue e tímido o que vaticina a ocorrência de uma Pseudo-Cidadania ou no minímo de uma Cidadania Passiva. Dirão os mais optimistas como eu que este é um fenómeno natural e tipíco das democracias nascentes e em desenvolvimento. Mas, é demasiado pueril e injustificado que algum pretenso cidadão se autorize a ir fazendo e desfazendo sob tal protexto. Façamos um exame introspectivo e profundo à nossa consciência de cidadania, é mesmo; Não duvidem é um convite escancarado e bruto para a auto-responsabilização pelo nosso estar e ser enquanto cidadãos. A minha leitura é a de que a maior quota de responsabilidade desta precariedade e timidez da cultura de cidadania recaí inequivocamente sobre nós mesmos. Deixem-me arrolar algumas dentre várias situações flagrantes em que nos furtamos do nobre exercício da cidadania para a melhor visualização e consubstanciação do meu posicionamento: 1. Quando compramos um produto com o prazo expirado num supermercado e simplesmente não denunciamos a ocorrência as devidas instâncias administrativas e judiciais ou porque de livre iniciativa sonegamos esta ocorrência a quem de direito para amealharmos ganhos e vantagens pessoais através de chantagens aos vendedores ou fornecedores; 2. Quantas vezes assistimos impavidamente as parteiras maltratando as senhoras em época gestacional com o livro de reclamações e sugestões espectado na parede a alimentar os répteis e insectos, etc sem descurar o próprio direito a audiência com a entidade máxima do sector; 3. Vezes sem conta nos fazemos transportar num vulgo "chapa 100" de 15 lugares conscientes da sua supra-superlotação; 4. Assistimos com indiferença de minuto a minuto a condução perigosa e desregrada dos transportadores semi-colectivos e de autocarros públicos e nada fazemos; 4. Quando é que não deixamos de produzir lixo em nossos lares e lançamos desordeiramente em plena via pública a luz do dia; 5. Fazemos e fomentamos o fecalismo sem tréguas e debaixo do sol sem discriminação do local em que estivermos; 6. As autoridades de ordem e segurança públicas fazem-nos cobranças ilícitas de segundo a segundo procurando em nós a todo custo aspectos de infracção de normas e leis e simplesmente não denunciamos; 7.Quantas vezes temos a oportunidade de sancionar o nosso mau representante e delegado no poder e continuamos passivamente a perpertuar a sua vinculação improdutiva ao poder; 8. Quem nunca subornou o professor com valores monetários ou bens em troca de uma passagem de classe ou de vaga para matrícula; 9. Quantas vezes organizamos churrascos nos nossos prédios em pleno dia útil provocando barulho ao som da música estrondoso e insuportável pela noite dentro; 10. Quantas vezes nos eximimos de participar nos eventos recreativos, culturais, desportivos e sociais referentes ao nosso bairro de moradia, não fazemos parte das comissões de moradores dos nossos prédios, não nos envolvemos nas jornadas de trabalho a estes referentes; etc e etc. Enfim, são infinitos os sinais de condutas infractoras por nós cultivadas que desabonam decisivamente a nossa consciência de cidadania.
Não obstante, haver também um leque de responsabilidades a serem providas e asseguradas por quem de direito a medida do desenvolvimento institucional das cidades onde se realça a criação de condições materiais e imateriais para que o exercício da cidadania não encontre empecilhos e seja de facto efectivo e aqui os governos locais também devem assumir o seu papel condicionando todo o substracto de infra e super estruturas necessárias para que os direitos e os deveres dos cidadãos conheçam o seu devido cumprimento.
A questão central do meu raciocinio inicial e principal é alertar-vos para a necessidade de resgatarmos a nossa consciência de cidadania e com ela conduzirmos o nosso quotidiano social aprimorando desta forma os valores da democracia.
Cada um de nós deve esforçar-se por cultivar a cidadania como forma de apropriação pública da coisa pública tendo o sentido de ser dono da mesma. Este exercício passa necessariamente por sermos cada vez mais verdadeiros cidadãos autoconscientes dos nossos direitos (civis, sociais e politícos) e deveres, criticos, interventivos, participativos e proactivos na gestão da coisa pública. Primando sempre pela atitude de que sendo activo na resolução dos problemas da minha cidade estou melhorando e engrandecendo as condições de vida da minha própria família sem excepção de mim mesmo.