quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

POR UMA INDAGAÇÃO DO FENÓMENO DO ENCURTAMENTO DE ROTAS PELOS "CHAPA CEM"

O fenómeno do encurtamento de rotas é uma prática comum adoptada pelos principais protagonistas dos “chapa cem”, falo objectivamente dos seus motoristas e cobradores. Este fenómeno constitui-se actualmente num dos pontos inequívocos mais estridentes e nevrálgicos do debate público corrente relativamente à prestação destes serviços de transportes urbanos e interurbanos. Aliás, se se recordam, esta foi uma das questões de fundo aludida de forma vincada e vertical pela esmagadora parte de populares e citadinos maputenses como constante do seu caderno reivindicativo na sequência dos acontecimentos do 05 de Fevereiro último. O encurtamento de rotas perpetrado pelos profissionais de “chapa cem”, consiste no desvio e interrupção deliberada e voluntária do trajecto ou rota normal de transporte pelos seus praticantes. Refira-se que as rotas de transportes urbanos já se encontram oficial e formalmente estabelecidas pelos órgãos tutelares deste sector adstritos aos Municípios, cuja atribuição é feita de forma criteriosa por estes a todas entidades singulares e colectivas que reunirem os requisitos necessários para operaram nesta área de transporte público. Cada veiculo licenciado para operar nesta área é portador de uma vinheta e toda a documentação inerente para o efeito; É basicamente esta a marca identitária que nos elucida e adverte da rota a que cada meio de transporte pertence e, a partir, desta orientamos as nossas opções de transporte com vista a consecução das necessidades e objectivos do nosso quotidiano sócio-profissional. A atribuição e aceitação da rota pelo operador de transporte são as principais premissas da assumpção por este de deter as capacidades e condições primárias para desencadear normalmente a actividade. Consubstanciando melhor o meu raciocínio, o fenómeno do encurtamento de rotas significaria na vida prática, por exemplo, um munícipe que pretendesse se deslocar da Baixa da Cidade de Maputo para o Bairro de Magoanine, tomar um “chapa cem” precisamente desta rota segundo a indicação da sua vinheta, mas que os seus principais protagonistas (o motorista e o cobrador) resolvessem conscientemente transportar os passageiros até à Praça dos Combatentes no vulgo Bairro do Xiquelene. Dali a opção destes transportadores tanto poderia ser a de descarregar os passageiros para retornar à procedência, como também, uma vez efectuada a cobrança aos passageiros continuarem com o trajecto normal até ao seu ponto terminal. Até aqui, detive-me a apresentar o substrato descritivo do modus operandi deste mecanismo de transporte público por entender ser de capital relevância o pressuposto da clarificação sobre como se processa o fenómeno do encurtamento de rotas. É conceptualmente importante que uniformizemos o nosso entendimento em torno desta prática, mesmo porque este procedimento ajuda a quem o desconhece absolutamente ou , pelo menos, a quem já se deparou com relatos na comunicação social ou com populares, mas que nunca teve nenhuma experiência de vida em que este se observasse. A questão central desta reflexão, é remeter-vos para a leitura atenta e rigorosa de qual a dimensão real que a prática proliferada e persistente deste fenómeno representa para as centenas e centenas de populares e citadinos maputenses que recorrem a este serviço de transporte público como meio básico para a realização e concretização das suas deslocações diárias para às escolas, postos de trabalho, zonas de habitação, unidades sanitárias, zona comercial, de entretenimento e de lazer e etc. Em conversa informal com um utente deste serviço público, este não desperdiçou o ensejo para vociferar o seu infortúnio dado ao facto de ter actualmente a necessidade diária de fazer ligações de “chapa cem” por causa do encurtamento de rotas incorrendo, deste modo, a uma duplicação de esforço financeiro; Enfatizou ter um encargo financeiro de transporte diário de Oitenta mil meticais decorrente das suas deslocações para o posto de trabalho e de seus dois filhos para as suas respectivas escolas, contra os anteriores sessenta mil meticais a serem suportados numa situação de observância e respeito do trajecto normal da sua rota de transporte. Enquanto citadino maputense e utente deste serviço público, observo com interesse no meu dia-a-dia situações concretas de infringimento desta postura municipal relativa à área dos transportes públicos. Testemunho, amiúde, depoimentos espontâneos e voluntários de populares e munícipes desgastados lamuriando por uma mão invisível ou solução mágica para esta inquestionável patologia social protagonizada pelos operadores de “chapa cem”. O fenómeno do encurtamento de rotas assume actualmente proporcões de um verdadeiro dilema social avaliando, a partir, dos efeitos perversos que acarreta na vida social dos munícipes que desembocam no encarecimento profundo e desenfreado do custo de vida dos mesmos. Para corroborar o meu pensamento, sustento-me de alguns depoimentos de citadinos que retratam o cenário de forma crassa e desesperada asseverando claramente que tudo o que fazem, ganham e produzem da sua labuta é para custear as despesas decorrentes dos transportes públicos. Aliás, sem pretender fazer nenhuma incitação à demagogias eleitoralistas, mas para efeitos de marketing e campanha eleitoral, devo referir, que o tópico encurtamento de rotas é um ponto elegível para constar do cardápio do manifesto eleitoral dos futuros candidatos a autarcas; Façam fé que se se propuserem a estancar e exterminar este mal social terão neste um mecanismo eficaz de aliciamento para granjearem a simpatia de uma maioria significativa de eleitores desafortunados que vivem na pele, coração e mente a nocividade diária deste fenómeno. Portanto, por estas razões manifestas e outras latentes, fica de forma indubitável decifrado o diagnóstico de que de facto esta prática onera e fustiga sobremaneira a vida dos munícipes. Esta constatação suscita-me duas outras inquietações: De um lado, a questão da aferição causal das principais razões e factores que explicam o enveredamento pelos operadores de “chapa cem” por esta incorrecta aplicação da postura municipal atinente ao sector dos transportes públicos urbanos; De outro, a da busca de caminhos consentâneos para encontrar uma plataforma comum e aglutinadora dos interesses de todas as partes implicadas neste dilema social para que o mesmo seja debelado e ultrapassado. No que concerne a primeira questão, foi possível discernir alguns elementos úteis e pertinentes para a melhor percepção das motivações que levam os motoristas e os cobradores de “chapa cem” a se pautarem por esta prática, com base na averiguação dos depoimentos e relatos de populares. Igualmente, importa ressaltar, nestes serviços de transportes públicos, o status adquirido pela figura do cobrador, que é o de detentor de maior “capital simbólico” influenciando e dominando em grande medida as relações de poder entre este e o motorista, dado que possuí a prerrogativa de poder determinar se se opta ou não pela observância do trajecto normal da rota e, relativamente aos utentes, é o actor que dá a cara e lida directamente com os passageiros, perpetrando cenas de confrontação, desrespeito e afronta cívico-moral para com os mesmos; Os cobradores agindo em conluio com os seus pares motoristas, conseguiram forjar no seio dos passageiros uma reputação de todos poderosos, de violentos, marginais e agressivos; Uma figura metaforicamente endeusada pelos munícipes, a si se deve venerar, adorar, sujeitar, aturar e etc. De acordo com as minhas conjecturas fundamentadas na análise minuciosa e criteriosa dos relatos populares e de citadinos maputenses, os potenciais factores que movem a estes operadores a encetarem esta prática podem ser: A tão aspirada e augurada receita do dia estabelecida pelos proprietários das viaturas; Aliado ao anterior factor, temos o que tem a ver com o oportunismo e ganância do motorista e do cobrador de também desejarem fazer a sua receita para fins meramente pessoais; A possível inoperância e ineficácia das entidades de fiscalização e supervisão dos meios de transportes públicos urbanos tutelados pelos órgãos municipais e pela própria associação dos transportadores; A possível ineficiência autoridades policiais de ordem e segurança públicas que trabalham na área da regulação do trânsito rodoviário urbano; Aliás, recorrendo ao conteúdo das “acusações mutuas” entre os “chapistas” e os utentes, estes últimos foram categóricos em imputar a responsabilidade por este fenómeno aos próprios órgãos e autoridades com atribuições e competências para salvaguardarem o bom exercício da actividade dos transportes públicos. Segundo os utentes, as autoridades municipais e os agentes policiais saem a ganhar com estes desmandos dos “chapa cem”, na medida em que como forma de os ilibarem recebem destes subornos em valores monetários; O último factor que é extremamente decisivo para a prática do encurtamento de rotas é a indiscutível indiferença e passividade que tipifica os utentes devido ao seu fraco poder de negociação e de escolha que os sujeita à condição de meros espectadores e injustiçados por esta gente, sem nada poderem fazer para contrariar este ciclo vicioso de desregramento e inobservância das rotas de transportes legalmente estabelecidas. Subjacente à precedente inquietação, ocorre-me uma segunda, que se prende com a busca de propostas e sugestões de caminhos a seguir com vista à solução deste fenómeno que se assume como um autêntico dilema social. Com este propósito, compulsando as motivações que estão na origem deste virulento incumprimento da postura municipal aprovada e vigente, vislumbro uma frente de trabalho a ser conduzida em três principais eixos: 1) O eixo institucional, aqui é preciso que os órgãos competentes fortifiquem a sua actuação em termos de capacidades humanas e materiais, que se faça a necessária disseminação do quadro normativo e legal que rege as posturas municipais correctas para que o mesmo seja obrigatoriamente cumprido; Que haja uma maior responsabilização das autoridades municipais e agentes policiais nas condutas que tomam no seu exercício laboral e, que sobretudo, lhes sejam pedagogicamente difundidas as boas práticas das relações públicas em prol de um serviço público mais prestativo, são e harmonioso; Que se reforcem os aparatos humanos e materiais de fiscalização e supervisão do cumprimento das leis; 2) Na segunda vertente, há um trabalho de educação cívica e de sensibilização tendo como alvo os protagonistas deste serviço público no sentido de começarem a adoptar uma conduta correcta e com civismo respeitando as formas de se estar e ser elementares em qualquer sociedade que se preze, tendo sempre patente o conceito de serviço público; Encontrar mecanismos para abortar a relação dicotómica entre os utentes e os “chapistas” e, destes com as autoridades e órgãos desta jurisdição; Neste prisma, é crucial o papel a ser desencadeado pela Sociedade Civil e pelos proprietários destes meios de transportes; E, 3) No último eixo, centrado nos utentes enquanto parte integrante da Sociedade Civil, estes devem ter a preocupação de aprimorarem os seus mecanismos de participação política na vida do Município; Devem ser conhecedores dos seus direitos e obrigações para que sejam cada vez mais conscientes, interventivos, participativos e proactivos; Devem se pautar por uma cultura de informação e deterem consigo o princípio de denúncia popular e às autoridades de tutela e da sensibilização cívica dos infractores e prevaricadores dos direitos e obrigações civis e municipais; Devem melhorar os seus mecanismos de relacionamento e de diálogo com as autoridades e instituições públicas e concidadãos primando sempre pela busca de soluções mais salutares e harmoniosas para o bem-estar da colectividade. Enfim, tenho para mim que a inquirição de qualquer questão que seja é sempre um exercício de interpelação aos visados que nos ajuda a perceber, explicar e clarificar melhor os fenómenos e, acima de tudo, chama atenção e responsabiliza aos principais intervenientes e implicados no assunto para que ajam em tempo útil. Neste contexto, estou convicto de ter podido deixar a minha singela leitura.

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