segunda-feira, 5 de novembro de 2007

POR UM REACACIAMENTO DOS 120 ANOS DO DESACACIAMENTO DA CIDADE DE MAPUTO

Merecidos citadinos e munícipes da cidade de Maputo!
Caminhamos a passos galopantes para o climax da semana comemorativa dos 120 anitos da nossa belissíma e memorável "Cidade das Acácias", Quem te habitou, habita e habitará?
Imaginem só o acervo de memórias que por aí deve pulular acerca de si, desde a então Lourenço Marques até a actual capital moçambicana que é Maputo. É deveras um longínquo e espinhoso percurso histórico que certamente registou um manancial de aspectos positivos e negativos.
Sob um olhar acrítico, leviano e típico de personnes non gratas uma reflexão plausível sobre esta efémeride se prenderia a enxovalhar a nossa maravilhosa "Cidade das Acácias" num mínimo de 120 páginas maledicentes que equivaleriam a sua idade e sobretudo, ao número exacto de pecados por esta cometidos em cada segundo. Enfim, um puro exercício inepto, demagógico e falacioso.
Em contraposição a precedente forma de aludir e radiografar a cidade Maputo, sugiro-vos uma outra lupa que entendo ser mais funcional e construtiva para melhor reflectirmos sobre o passado, presente e futuro desta.
Diriamos todos nós, os munícipes que cidade tão problemática: uma cidade em obras por excelência, inóspita, esburracada até a Presidência da República, sérios problemas de saneamento do meio, drenagem, jardins e espaços verdes entregues à sua sorte, infraestruturas desportivas vandalizadas e transformadas em tudo que transcenda o nosso imaginário, mercados na cave no terraço, carros nas passadeiras e passeios, peão na faixa de rodagem, velas servindo de iluminação, semáforos nas salas de visita, sobrepovoamento, olhares expressamente escusados de se fazerem para baixo, excrementos, lixos e imundície sobre os murros, a desordem, insegurança e públicas substituindo a manteiga no pão, assaltos, acidentes nas vias públicas costurando verdadeiros formigueiros, citadinos já cauterizados a esticarem as mãos para entregarem os seus celulares e objectos de adorno aos amigos do allheio, as acácias todas deitadas de tanto envenenadas e embriagadas pela acidez da urina, gente patrocinando o fecalismo de forma tão desavergonhada e impudica, citadinos e citadinas virados uns contra os outros para urinarem e ... na maior virtuosidade planetária, um vulgo TNS de 15 lugares para 100 passageiros por rota, o elevado tráfego e saturação do parque automobilístico.
Puf!!!Como se pode depreender seriam inúmeras as lamúrias uma seguida de outra a uma velocidade da luz e assim sucessivamente que nos custariam uma eternidade para arrolá-las.
Debateriamos e nos imputariamos as responsabilidades até os próximos 120 anitos, logo teriamos cumulativamente 240 anitos de bate-boca e peleja verbal e quiça, física infrutifera ou como diz o Prof. E. Macamo de fala sem consequência, porque eu isto..., você aquilo... degenerando num extraordinário festival de apedrejamento entre eu, você, ele e nós.
Distanciando-me dessa abordagem essencialmente de responsabilização institucional, em que o Conselho Municipal é absolutamente paternalista, providencialista e responsável por assegurar todas as condições consentâneas para a vida dos munícipes e/ou citadinos que, por sua vez, não passem de meros objectos passivos e alienados que nada mais fazem senão esperarem pelo governo municipal. Como que a legitimar que o Dr. E.Comiche deva ir ao meu contector recolher o lixo por mim produzido ou que ele se digne a tapar os burracos da entrada da minha casa; Que exuberante estupidez! Mas é assim que se concatenam e cogitam as ideias na opinião deformada e desinformada que por sinal é a maioritária. Por conseguinte, caso o camarada não se faça favoravelmente ao anseio do munícipe se arrisca a ficar nas tintas no próximo pleito eleitoral.
A minha proposta, para estancar este meu ritimo titubeante é desmistificarmos a problemática sob um prisma fundamentalmente antropocêntrico. Mais, isto ofusca e desinforma ainda mais a questão. Mas, deixem-me clarificar a ideia, o que proponho é colocarmos o munícipe no epicentro da nossa discussão, o que significa problematizarmos a questão pensando e repensando a figura do citadino, estudando e reflectindo sobre a sua postura e conduta enquanto munícipe.
Obviamente que procedendo desta maneira tangeriamos em aspectos de índole sociocultural. Averiguariamos os comportamentos, maneiras de estar e de ser, agir que tipificam a personalidade do munícipe de Maputo. Um levantamento estatístico com a questão inicial de : Que valores sociológicos imbuem e orientam a conduta do citadino de Maputo? Seria um instrumento bastante interessante para fazermos esta aferição e com ela sustentarmos uma tese.
É preciso não descurar o facto de a nossa capital ser essencialmente uma cidade cosmopolita que converge e confluí vários interesses e substractos sociológicos, temos nela chineses, indianos, japoneses, alemães, ingleses, espanhóis, portugueses, norte-americanos, chilenos, brasileiros, nigerianos, egípcios, tanzanianos, angolanos, cabo-verdianos, todos estes e mais procedentes do entorno externo, os originários nacionais procedentes das províncias, de Cabo Delgado, Nampula, Niassa, Tete, Sofala, Inhambane e Gaza e, por último, os próprios nativos da Cidade de Maputo. Cada um destes citadinos é parafraseando o escritor Mia Couto uma cultura ou ainda, na esteira do Prof. Serra cada um destes actores sociais é portador representativo de um diferenciado e específico perfil sociológico. Alguns leitores já se apressam ao atrevimento de acusarem-me de ser demasiado weberiano e outros em jeito dicotómico e só mesmo para contrariar, devem apelidar-me de durkheimiano.
Contudo, não é esse o nosso debate de fundo, antes o de problematizarmos a figura do munícipe de Maputo, é nela que deve gravitar a abordagem do exercício de uma cidadania autoconsciente, participativa e proactiva. O citadino maputense deve assumir-se como o sujeito inalienável da mudança do actual cenário sombrio desta cidade. O citadino maputense deve ter uma identidade própria e digna de um citadino, deve pautar por postura correcta, exemplar e de elevado sentido de urbanidade.
Para ilustra-vos melhor o sentido da minha proposta, confiram o paradoxo entre a anterior asserção e o facto de serem estes mesmos citadinos que quando se deslocam para o ocidente ou aqui mesmo no nosso calcanhar que é a terra o Rand, sabem depositar o lixo nos seus respectivos contectores, sabem respeitar a linguagem da passadeira do peão, orientam a velocidade da sua condução com base nos sinais de trânsito, não andam nem partem garrafas na via pública, não se inclinam para defecar nas estátuas dos heróis, etc.
Doravante, o desafio que se afigura ao munícipe é o de redar a merecida e devida dignidade e estatuto a esta urbe que é o de uma cidade maravilhosa, acolhedora e limpa, isso mesmo, tornar a "Cidade das Acácias" igual a si.
Pode parecer uma proposta com odor a um abstraccionismo inconsequente, mas não é verdade, digo-vos com franqueza, temos que deixar de ser passivos e inertes para melhor reorganizarmos a nossa cidade e devolvermo-la a reputação que sempre teve de uma boa cidade. Não se equivoquem uma péssima cidade não faz mais do que espelhar a imagem do seu citadino.
Maputo Surg et ambula a reviravolta, formemos comissões de moradores nos nossos aranha-céus, vivendas, etc, comissões dos moradores das ruas, avenidas, quarteirões, células, bairros, funcionários da empresa x e y, alunos da escola k e z. Uma vez assim agrupados que sejam planificadas actividades e jornadas de trabalho, por exemplo, uma limpeza geral da rua, do prédio, do campo de futebol, da escola ou da empresa, etc. Faça-se uma singela e simbólica contribuição monetária regular para a manutenção e assistência do prédio, do seu sistema de drenagem e tubagem a pintura, etc.
Nesta óptica, seriam muitas as iniciativas que com muita boa vontade, empenho e criatividade poderiam minorar a sobrecarregada e congestiva dose de responsabilidade do nosso edil, quanta insónia o homem não deve ter pensando em como melhorar a qualidade de vida dos seus munícipes. Acudam-no e vamos avante como muita atitude e acções concretas que rumem para o desiderato de reacaciarmos a nossa cidade das acácias desacaciadas nestes 120 anos de vida, esta é a nossa parte e deve ser feita por nós.
Hui!!! Paro por aqui, enderençando votos sinceros de boas festividades a todos citadinos maputenses.
Bem haja a "Cidade das Acácias"

1 comentário:

Anónimo disse...

“Por um recaciamento dos 120 anos do desacaciamento da cidade de Maputo” é uma tarefa de todos nós, sem exclusão de partes. Entendo, aqui, “recaciamento” não no sentido de apenas repor as acácias que, em tempos já idos, emprestavam uma beleza sem igual à esta bela cidade, mas também recuperar a beleza física de toda a sua infra-estrutura que, de igual modo, ora caracterizava a mesma.
Na verdade, não foram exactamente “120 anos de desacaciamento” por que a cidade de Maputo passou. Este processo de “desacaciamento”, acompanhado de um processo de degradação da sua infra-estrutura, começou, a meu ver e com maior virulência, nos anos imediatamente a seguir a independência até aos dias que correm. Abro, desde já, um parêntesis para asseverar que não pretendo, de maneira alguma, tirar brio aos esforços do actual edil em mudar o “rosto” desta cidade.
Quando Maputo, ora Lourenço Marques, foi, em 1887, elevada à categoria de cidade não era mais do que uma região predominantemente caracterizada por uma vegetação abundante, casas dispersas e uma densidade populacional longe de ser comparada com a actual. De certo modo, a cada vez mais crescente urbanização que se seguiu, sobretudo na zona baixa da cidade, era corolário da aumento das transacções comerciais que eram feitas – e ainda o são – a partir dos portos e caminhos de ferro.
Nesta ordem de ideias, a “cidade das acácias” foi, acredito, digna desse nome em meados do século XX. A avaliar pelo acervo documental que pode ser consultado no Arquivo Histórico de Moçambique, a cidade de Maputo ostentava na década 40, 50, 60 e até inícios dos anos 70, um excelente ordenamento urbano, um saneamento do meio de se “tirar o chapéu”, edifícios em bom estado de conservação, uma circulação ordeira de pessoas e viaturas.
Se nos anos imediatamente a seguir à independência iniciava – curiosamente, a par da sua crescente urbanização – o “desacaciamento” e degradação da cidade a todos níveis, não é menos verdade que, nos últimos vinte anos, esta situação tem vindo a recrudescer. Como é sabido, os programas de reajustamento estrutural implementados em finais da década 80 do século XX despoletaram o surgimento de novos fenómenos sociais, a saber a proliferação da economia informal – com realce para os “dumba-negues”, os “chapas” –, o êxodo rural massivo, a vulnerabilidade ao crime, a insegurança. Por outro lado, há a considerar a apatia e indiferença – fenómeno que não é de hoje – das autoridades e dos citadinos. Estes fenómenos conjugados podem, de certa forma, ser entendidos como causa da cada vez mais degradação e desacaciamento da cidade de Maputo.
Contudo, urge “reaciar” esta bela cidade! Por onde começar? A tarefa afigura-se extremamente difícil atendendo e considerando o leque de problemas acima arrolados e, que se diga em abono da verdade, por nossa culpa. De facto, permitimos que eles se multiplicassem e se agravassem. Mas a sua eliminação não é impossível. Algo me diz que o grande desafio está... em nós mesmos, nos nossos hábitos, condutas e sobretudo na necessidade premente de realizarmos uma auto-crítica, uma análise introspectiva para compreendermos o quão perniciosa tem sido a nossa indiferença.